histórias como estas

Chamo-me Anna

e esta é a minha história.

Eu e o meu marido somos pais de 3 filhos e sempre fomos uma família unida. Em Donbass, construímos uma vida tranquila e confortável onde os nossos filhos estudavam em escolas prestigiadas, enquanto as viagens que fazíamos nos enriqueciam. Recordo com carinho umas férias em Portugal onde me apaixonei pelo país.

A 24 de fevereiro de 2022 o nosso mundo desabou, quando a Rússia invadiu a Ucrânia. Deixámos a nossa casa e mudámo-nos para Kiev, onde acreditámos estar mais seguros. Apesar da distância ser curta, a mudança foi muito difícil porque a nossa casa, com tudo o que gostávamos, ficou para trás.

Infelizmente, o medo não diminuiu e a insegurança aumentava a cada dia que passava. A urgência de proteger os nossos filhos forçou-nos a tomar aquela que, ainda hoje, recordo como a decisão mais angustiante das nossas vidas: deixar tudo para trás e procurar um lugar mais seguro para recomeçar. Portugal, outrora palco de umas férias de sonho, foi a escolha.

A chegada ao nosso novo país foi o início de um caminho desconhecido e a integração apresentou grandes barreiras linguísticas. A ajuda da nossa filha mais velha, que dominava o inglês, foi determinante, assim como o apoio de pessoas como o Paulo, colaborador da Cruz Vermelha que apoiou de forma inestimável a integração dos nossos filhos e amigos ucranianos.

Neste percurso de adaptação, descobrimos uma riqueza cultural que nos envolveu em novas tradições, pessoas e costumes. A essência humana transcende fronteiras e em Portugal encontrámos uma comunidade acolhedora onde todos partilham o desejo universal de paz - a mesma paz que procurávamos quando deixámos o nosso país.

A tolerância e o respeito pelas diferenças foram pilares fundamentais para a nossa integração. Viemos de uma cidade cosmopolita como Kiev, onde as diversas culturas se entrelaçam, por isso, trazíamos já uma mentalidade aberta que ajudou nesta etapa das nossas vidas.

Mas os desafios económicos surgiram mais tarde. As finanças começaram a esgotar-se e fomos obrigados a recorrer ao apoio social, que foi determinante para suportar despesas gerais da casa.

As preocupações com os nossos familiares que ficaram na Ucrânia e enfrentam, diariamente, os horrores dos conflitos, continuam a ser uma sombra persistente nas nossas vidas que nos aperta o coração. A incerteza quanto ao futuro ainda nos provoca medo, mas a determinação em proporcionar uma vida estável aos nossos filhos será sempre a prioridade.

Ainda sentimos estar à margem da plena integração, mas continuamos a trabalhar por um futuro melhor porque a saúde física e mental dos nossos é, e sempre foi, o nosso farol.

Apesar de todas as dificuldades, encontrámos a paz que desejávamos em Portugal e isso deixa-nos felizes.

Obrigada a todos.

Chamo-me Mohammad

e esta é a minha história.

Cresci numa família afegã com valores sólidos que sempre me incentivou a querer mais na vida. Apesar do meu esforço, a minha trajetória escolar não chegou onde queria, devido ao contexto social que não favorecia uma exigência académica mais elevada.

Desde cedo tracei o meu sonho: tornar-me num lutador de boxe. Até hoje mantenho esse foco, treinando diariamente na esperança de que um dia toda a minha dedicação venha a ser recompensada.

Deixei o meu país devido aos conflitos, trazendo sempre comigo a esperança de construir uma vida melhor na Europa. Essa decisão provocou-me uma profunda tristeza, pois significava deixar para trás a minha família, o meu lar.

No caminho até à Europa, os desafios surgiram quando tentava encontrar pessoas dispostas a ajudar-me. Os perigos manifestavam-se na presença de animais selvagens e na constante ameaça de ser detido pela polícia nos diversos países por onde passei.

Os campos de refugiados foram a minha casa por muito tempo, mas no meio de tanta mudança e agitação, houve um dia em que senti que era hora de me desafiar ainda mais. Foi assim que decidi integrar o Programa que me trouxe a Portugal.

O primeiro impacto foi de incerteza, medo e alguma angústia, mas ao chegar à acolhedora casa em Sintra, senti um alívio reconfortante.

A língua e o clima tornaram-se obstáculos iniciais e a adaptação às diferenças culturais, como a roupa, foi muito desafiante, mas gradualmente comecei a compreender o ambiente à minha volta e a relaxar. Achei incrível perceber a mudança na forma como as mulheres são integradas na sociedade. No Afeganistão, estávamos todos separados, enquanto aqui podemos partilhar o mesmo espaço e conversar.

Uma das fases mais difíceis de gerir foi esperar pela decisão do tribunal em relação ao meu futuro. Mas o foco nos meus objetivos, ser o melhor lutador de boxe e conseguir o curso técnico profissional de mecânica, são o que me dão força para continuar.

Hoje já consigo comunicar em português, interagir com pessoas que não conheço tão bem e, com alguma destreza, utilizar os talheres, que outrora me pareciam estranhos.

A saudade da minha família e do meu país persiste e para lidar com essa falta, mantenho o contacto através de chamadas, revejo fotos do Afeganistão e tento recriar sabores da minha terra natal na cozinha do meu novo lar.

Sei que este percurso de adaptação a Portugal ainda está longe de terminar. É um trabalho que requer paciência e esforço, mas a equipa da Cruz Vermelha de Sintra, os professores da escola, os instrutores de boxe e os colegas de ginásio, bem como a minha família de acolhimento, têm sido pilares fundamentais no meu processo de integração.

Sinto-me, de certa forma, um bocadinho português.

Obrigado a todos.